sábado, 22 de setembro de 2012

ODE AO URUBU-REI






I

Urubu-rei, malandro
Pousado no nunca
Urubu-incerto, perto daqui
Pousado no muro
Urubu-espanto, adormecido
Aguardando as horas
se precipita
Urubu-frágil, como a tarde.



II

Ou nem tão frágil assim, talvez irreal
És o mesmo que sobrevoou Canudos
(outros fronts pelos tempos afora)
E que agora aguarda silencioso.




III

Um urubu na tarde apenas
Uma outra pena
Da ave certa, certeira, rapina
És o agouro no voo
                              mais leve.





quinta-feira, 6 de setembro de 2012

SÃO PAULO III






Edifícios - mares de porvir
entre antenas e selvas
a lírica forma
                   de um dorso nu.

Corpos de pedra e vidraça.
Na tela: um pivete que salta
e assalta o olhar da moça do Trianon.

Despedaçam-se as formas,
os planos cartesianos ou não.
A estrangeira, o bêbado, o homem quase sério,
mas descabido.

No esgoto, um bocejo matinal.
No corpo, um desprazer assexuado.
A morte incompatível de Orpheu e Eurídice.

Ah! São Paulo das almas revolucionárias de 22,
Dos padres que ainda catequizam no pátio do colégio
os índios virtuais.
Das sombras mortas da Revolução que descem o Vale
e se refugiam no viaduto.

São, são tantos... Do chá amargo ao café temperado e semi-puro.
Do beijo de hortelã, à moça de olhar simbolista.
Sem compasso, sem esquadro, sem tempero.
Do corpo exposto à mais-valia, à dor nossa de cada dia:
São Paulo. São (Plural - 3ª pessoa).



















                                                           

sábado, 1 de setembro de 2012

O SER E O NADA

                                              Luis Buñuel - 1929 - Um Cão Andaluz
                         









Depois, eras a noite. Teus olhos.
A fome trêmula.
E poder-se-ia sentir as sombras.
A morte pálida das mãos
                                   solitárias.


Antes, serás a ausência a sós.
Do fantasma anunciado, calado.
O drama intocado que se apresenta:

Um fantasma frente a outro fantasma.







CONCERTO À MEIA-LUZ











À noite, enquanto dormem os móveis,
há uma ou outra assombração
                         ao pé do velho piano.

Nos retratos, os avós olham a cena,
esboçam  um  meio-sorriso amarelo


                  .










ELEGIA

                              Buster Keaton & Charles Chaplin - 1952 - Luzes Da Ribalta








Senhora, abreviarás a madrugada
e em meu corpo o nada:
Uma tristeza que se esqueceu

Virás assim, nua, numa nudez pálida
Nenhuma carta, nenhuma explicação
Apenas o nada.

Senhora, me procurarás, sei
Quando eu menos esperar, estarás
Em frente ao espelho, sem retoques, nem maquiagem

Nenhum não, nenhuma rusga, nenhuma elegia
Apenas tu, Senhora, sem aparência,
                                                nem nostalgia.








EPITÁFIO MAL HUMORADO













Nesta lápide: nenhuma data!
O que importará o meu nascimento
Ou a data da minha morte?
Por acaso os mortos têm idade?

- Os mortos têm a morte, e basta.
                                         







SONETO À CIDADE DE SÃO PAULO






Tens um santo no nome e quem te vela?
Em tuas ruas italianos, ateus, japoneses
Escondem a cara no odor parco, nas vezes
Mais raras do olhar para o lado, para a cela.

À luz da neblina que te encobres,
Ó cidade sem nenhum lirismo, frio
Corpo em movimento, olhos atentos, crio
Num andar este poema estranho que em ti foges

Tua prece, meu torpor, esta invalidez,
És o gosto azedo (avesso) do cinza, do chumbo
Na minha boca cada vez mais sem cor, nem tez...

Aqui em teu colo, o granito de meu túmulo esquecido!
Por ti, São Paulo, não a Londres desmedida, darei meu rancor,
Minha pálida revolta, meu pressentimento terno e vencido.






A PRIMEIRA MISSA









A primeira missa
Teve diversos índios
como testemunhas.

Os brancos rezaram,
Trouxeram crucifixos,
Batinas e apetrechos,
- Espantaram mosquitos!

E os índios atentos
não entendiam nada:

- Já estavam à margem!