domingo, 19 de abril de 2015

POEMA SEM TÍTULO






O país está morto, poeta
Mas antes fez questão de vir
aqui zombar de ti,
de cuspir à sua porta,
de surrupiar seu cão,
cantar sua mulher,
adular seus filhos.

O país apodrece, poeta
E não vale sequer um verso,
Uma única metáfora,
Uma imagem confusa/concreta
feita de escárnios e excrementos.
Não vale.

O país está ali, logo ali, poeta
naquele caixão em que
                                [aparenta a serena revolta
                                que nunca se fez
No odor parco e já putrefato, frio
                                 como flores de hálito suicida.

O país é tudo isto, poeta
E mais, um meticuloso fantasma que agoniza
                                                       sem vestes
uma louca meretriz sifilítica/nua
                                     na esquina enfumaçada,
onde o bêbado escarra as vísceras
e ousa ainda beijar a lua solitário
e agarrar-se a ela como um náufrago.

O país é reticente, poeta
Feito fênix em verniz, acredite,
E pode travestir-se de inúmeras faces
máscaras indecifráveis d'um teatro lúdico e trágico
nonsense - circo cuspido a ferro/fogo
com seus  palhaços mórbidos/flácidos
que costumam costurar o desespero
                                                   na coxia.

O país é um rascunho, poeta
É o que aí, está.
Tão extinto, exilado em si
Faz-se a pleno vapor, locomotiva de vermes
Confluência de orgasmos súbitos
Hiperestesia sincronizada de punhaladas e golpes
cada vez mais fatais:
mesmo que o sangue não jorre,
   mesmo que o grito sufoque,
      mesmo que a palavra não seja impressa.

O país defunto é e será sempre este, poeta.
Completamente fantasmagórico.

Contente-se com o tráfego ensaiado e lento
Com a dureza dos dias contados pré-fabricados
Com a fantasia mutilada/ roída pelos ratos
Contente-se com o que está morto e ainda assombra, poeta
E depois, sangre calado.









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