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domingo, 2 de julho de 2017
4 Cenas Do Cão Andaluz
I
por que um cão sangrento
atravessa-nos à noite
e reduz a lua com
seu brilho no esgoto
numa parca brancura
disforme moldada
ou uivo do mau agouro
encarcerado/ sombra des-
fragmentada num osso
de nossa própria (in) existência
as vísceras repugnantes
à mostra para consumo
da matilha e suas fartas mandíbulas.
II
o ventre exaurido do parir eterno
constante:
palavras, palavras, versos
desarticulados/ disformes
e tão orgânicos.
III
costumeiramente rasgados
no cordão arrancado
com navalha fria, afiada
bem trabalhada.
IV
no rescaldo de tudo
o cão - o grito
se deita - carne viva
restos de pelagem
moldura mórbida estática
da sala de jantar imponente
com seus móveis discretamente apoiados
em calços vermelhos e
nas sombras tortas desfocadas
de todos aqueles animais mortos
da família - empalhados
o sangue que ainda respinga
pisado.
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sábado, 24 de setembro de 2016
TEXTURA
Entre
algumas roupas estendidas
e estreitas
noções de geometria avessa
:
esta estrada
e o sangue
lançado à tela
da paisagem mais fria
]
Entre o golpe
consumado
e o grito
sufocado na tarde,
na carne, nas vestes da cidade
as vísceras
:
um espelho
pré-moldado na face,
em sumo
decreto provisório,
mas perpétuo
]
Entre a
estocada final
e a
dissoluta agonia certeira
o poema
cicatrizado
nos retalhos
d
e
s
c
o
s
t
u
r
a
d
o
s
da noite
invisível.
terça-feira, 2 de agosto de 2016
A HORA DO LOBO
O lobo do homem
se esconde em ternos
muito bem cortados,
feitos sob medida
a gravata sempre se destaca
em suas cores exuberantes
com cifrões nas unhas e nos dentes
os olhos ressecam as manhãs
na boca lentos girassóis de sangue
se estendem fartos
uivos marcados.
quinta-feira, 28 de julho de 2016
RESENHA EM ZONA DA PALAVRA
A resenha feita pelo jornalista Jesse Navarro sobre
o livro Aprendizagem Cinza (Editora Patuá - 2016)
no excelente site Zona da Palavra:
https://zonadapalavra.wordpress.com/2016/07/27/resenha-de-aprendizagem-cinza-pelo-jornalista-jesse-navarro/
sábado, 23 de julho de 2016
RESENHA DE APRENDIZAGEM CINZA, PELO JORNALISTA JESSE NAVARRO
POESIA
São Paulo a sangue frio na estreia de Leandro
Rodrigues
Por Jesse Navarro
“Aprendizagem Cinza” (Editora Patuá, 2016) é o
livro de estreia do poeta paulista Leandro Rodrigues. Trata-se de um conjunto
de poesias que mostram o lado realista e denso da capital de São Paulo. Uma
verdadeira viagem sangrenta e real pelos cantos da cidade mais rica do Brasil.
O livro já começa com o misterioso título “São Paulo IX”, Concretismo puro.
Em “São Paulo IX”, Leandro Rodrigues roteiriza
o que nunca seria dito por um apresentador de programas policialescos, apesar
do assunto ser um crime passional. É mostrada uma visão de quem está atrás das
lentes em ritmo de cinema noir.
Em “Astraçã”, vemos um show de vogais que não
são apenas vegetativas. São vogais que mostram aquela capital do turista
(francês, será?), aquele que usa uma bússola e morre. Em cada verso se faz
presente a arquitetura pós-moderna que só São Paulo tem. Prédios triangulares,
assimétricos, ruas escuras onde o cotidiano mostra sua face: decomposta,
criminosa, real como só o sangue de um poeta pode ser.
É uma São Paulo onde até Bukovski aparece. Ele
mesmo, o norte-americano velhaco, o famoso poeta das mil garrafas de Bourbon.
Na poesia, o gênio vomita e enfrenta o aço de Sampa. Temos aqui uma linguagem
não-linear, onde o cinza do título mancha todas as ruas da cidade em pleno
século XXVIII. Vira chumbo, lixo, miséria, uma realidade cinzenta como nem o
mais pessimista poderia imaginar. A chacina prossegue em “São Paulo V”: aquele
mesmo sangue que os mais velhos espremeram nas antigas páginas do jornal
Notícias Populares. O poeta se indigna diante um crime passional e
entrega o que chama de linguagem publicitária. Os números vão crescendo ao
mesmo passo do lixo, da miséria, da hecatombe visionária. O poeta insatisfeito
aumenta o caracter da letra, dando o efeito visual que desconstrói o
sangue reciclado. Os rios Pinheiros e Tietê são desmascarados como desova de
defuntos, um cenário onde o velho Buk, o bêbado escritor, certamente pensaria
em se jogar, bradando: “preciso resgatar minha garrafa!”.
A poesia que puxa para a antiga forma de
Literatura é justamente onde o poeta se enterra: “Soneto à cidade de São
Paulo”. Não satisfeito na condição de morto, ele dança com defuntos numa
perigosa valsa que não perdoa nem Mário de Andrade. E quem será o Urubu-Rei que
voa entre escombros, farpas e estilhaços? A cidade dos travestis que têm faca
entre os dentes, cortando a noite em mil palavras. Então temos mais do que a
modernidade, temos os primórdios do século XX em São Paulo de 1937, 1910, 1915
(a melhor peça do livro, que dá voz aos cavalos), até o sangue impiedoso nas
roupas do varal de 1918.
Não se trata de obra recomendável para
deprimidos: é veneno que escorre pela boca, sangue que esparrama até no poema
da tarde, um caleidoscópio onde podemos ver Lorde Byron, Zé do Caixão, Buñuel,
todos esqueletos nas ondas do mar. Hilda Hilst aprovaria esse livro, certamente
colocaria na sua estante entre os favoritos. Eis uma poesia gótica, misteriosa,
profunda, enigmática, sangrenta, terrível. Rara na atual geração.
Até Drummond é revisitado, sempre gauche. O anjo é o próprio
poeta que não dá a mão para si mesmo no espelho, apenas franze a testa. Tão
surreal quanto o barulho de um jasmineiro que, pasmem, “no seu barulho aponta
um cifrão”. Não falta também o lado musical de Leandro: a letra “Memória
dissoluta” fez parte da sua passagem por bandas importantes nos anos 90, como
Onírico e Redator S/A.
Difícil escolher a melhor poesia, mas
certamente “Semiótica” vai além do conceito de Marshall McLuhan. Não temos aqui
nem o meio, nem a mensagem. Temos um par de olhos dentro do mais surreal dos
copos da Língua Portuguesa. O livro que ficou na estante passa a
assombrar o “homem de papel”. O habitante da bruta capital, perdido em becos,
uma hora vai até os rios. E até lá acha a morbidez de mortos afogados que
continuam nadando. Há também espaço para pássaros, raras figuras que não
sangram em “Aprendizagem Cinza”. O poeta, que é um professor da Língua
Portuguesa, mostra habilidade verbal em “Vapor Barato”, título que alude a
famosa música de Jards Macalé e Waly Salomão: “Lentas horas / só meu coração /
e va po ra”.
“A golpes de martelo” ficou consagrada no
programa “Estúdio Blen Blen Entrevista” na internet. Um piano segue o compasso
da narração, a poesia concreta se assume no estilo que consagrou os irmãos
Campos e Décio Pignatari nos anos 50. “Aprendizagem Cinza”, o livro, é uma
estreia pesada, realista, sem gracejos ou romantismos. Além de ser boa leitura,
é também uma aula para novos poetas. Que venha o novo.
segunda-feira, 18 de julho de 2016
FRAGMENTS
... E adormecemos entre
tristezas esparsas e
motivos de sobra
(ou seria de sombra?)
Num país fúnebre,
de governos fúnebres.
DE PALAVRAS & FARPAS
palavras ainda mais farpadas
que a noite
com ranhuras de versos
que não cicatrizam,
tatuam-se no tempo.
terça-feira, 5 de julho de 2016
A REVOLUÇÃO
É uma época
do mais completo
des-ânimo
versos desanimados
noites e dias desanimados,
nas ruas pálidas sombras
desanimadas se esbarram,
nas casas televisões desanimadas
gritam para quem adormeceu,
pratos frios aguardam
bocas hesitantes e desanimadas,
louças a serem lavadas,
cortinas retiradas
em gestos mecânicos,
estende-se a toalha branca
- a alva toalha do desânimo.
terça-feira, 28 de junho de 2016
VERMELHO
A extensão do muro toma todo o horizonte,
como as pedras calcadas no chão e
nos vãos dos rios,
estátuas esfaceladas
pela chuva ácida que consome
toda paisagem
a cor vermelha escorre
entre o meio-fio, frestas do dia.
terça-feira, 21 de junho de 2016
SÃO PAULO VIII
Cinzas horas que se movem
Nos lentos relógios
do centro
os prédios são ponteiros
as sombras demarcam segundos
A fuligem extrema - extensa
pinta a tarde a óleo
Alguns esboços se perdem imprecisos
nos resíduos que escorrem
em canos despidos dejetos
des pe ja dos
no pôr-do-sol
O medo é feito de um céu
aberto
onde nenhuma lua
se posiciona
As tintas vazadas são frias
e distorcem quadriláteros descascados / aflitos
concretudes diagonais e pontiagudas
revestidas armas apontadas para o silêncio.
SÃO PAULO I
Com cheiro de tétano
e chumbo
os cadáveres estão expostos
na noite
São Paulo faz as estatísticas
de seus mortos
88% negros, 10% pardos,
2% brancos
100% pobres.
terça-feira, 31 de maio de 2016
quarta-feira, 25 de maio de 2016
OUTROS GOLPES
Um homem trabalha na escuridão
há certa imprecisão em seu martelar
os cães uivam na distância e,
por um tempo, misturam-se os sons
o martelo, o uivo
na escuridão
os cães refazem a noite
Um homem distante e seus golpes
seu trabalho é preciso
ouçamos com atenção.
segunda-feira, 23 de maio de 2016
GOLPE
Um único golpe
E os dias sangram
Um único golpe
E as palavras sangram
Um único golpe
E o país sangra
feito poema.
quarta-feira, 11 de maio de 2016
PESADELO
Condenso tantos versos num grito
o golpe na noite mais escura
estilhaços de farpas e arames
em túmulos de chumbo e granito,
bem trancafiados.
- mais ainda ousamos sair.
sexta-feira, 25 de março de 2016
TRANSVERSAIS
Posto de lado, o corte
tende a ser transversal
de ancestralidades profundas
expostas raízes
oblíquas
como um verso desfeito,
uma noite, um riso,
risco -
ou apenas
meia palavra.
domingo, 20 de março de 2016
sexta-feira, 11 de março de 2016
ZONA DA PALAVRA
Vários poemas de minha autoria publicados
no ótimo site Zona da Palavra, saem
às quartas-feiras:
https://zonadapalavra.wordpress.com/author/leandrorodriguesrodrigues/
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
MORDAÇA
Sem cor, sem tez, sem pulso
Rareiam as palavras
Mas não os golpes/ a tortura
Receio
Cada outro porto que não se atraca
Cordilheiras de um fauno intacto
Despojados de sua carne e vísceras
Como outras requentadas agonias fúnebres
Homens chegam sedentos cuspindo fuligens-terçãs
Em San José um mártir recita versos e se cala subitamente
frente ao muro caiado
Em San Martín uma camponesa estende a sopa rala
para quem puder pagar
Depois recolhe a toalha, pois a noite já vem.
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